Segunda-feira
Adriana Falcão
Toda segunda-feira começa cedo mesmo que se acorde tarde.
As segundas, aliás, começam quase sempre na véspera, “amanhã já é segunda”
(toda noite de domingo traz com ela, além da depressão habitual e do som de uma
TV ligada, uma segunda-feira inevitável).
Toda segunda, há uma promessa a ser cumprida, pelo menos uma, muitos ônibus
lotados, atrasos motivados pelos mais diversos motivos e um alto índice de
enfartes.
Toda segunda tem esperança de um telefonema que mude a sua vida, tem um papel
pra ser assinado, tem uma prestação para se botar em dia e tem uma importante
decisão a ser tomada.
Toda segunda tem um pouquinho de primeiro do ano.
Toda segunda, um cantor de bar fica rouco,
um bailarino está exausto, um artista de teatro aproveita sua folga até a
próxima quarta e a namorada de um garçom capricha na lavanda.
Toda segunda, um homem que bebe procura urgentemente uma desculpa.
Toda segunda tem alguém que parou de beber, tem alguém que parou de fumar, tem
alguém começando uma dieta.
Toda segunda, em um prato, em uma cozinha, tem um resto de bolo de chocolate.
Toda segunda, as agendas das garotas acumulam novos ingressos de show, notinhas
de bar, pétalas de flor, guardanapos de papel, bilhetes de amor e ficam ainda
mais gordas.
Em compensação, as folhinhas, se é que ainda existem folhinhas, vão ficando
mais magras.
Toda segunda tem pelo menos um bom dia que é dito com alegria por alguém que
encontrou o seu amor no final de semana, e pelo menos um que é dito com
tristeza por alguém que perdeu o seu, ou porque ele se foi, ou porque o amor
perdeu a graça.
Toda segunda, secretárias com muitas aventuras pra contar deixam os chefes
malucos atrás de documentos, relatórios e cronogramas.
Toda segunda, os desenganados têm mais um domingo pra contar e os infelizes da
vida ficam contentes porque têm menos um domingo pela frente.
Toda segunda, alguém começa uma contagem regressiva.
Toda segunda, uma expectativa se estabelece.
Toda segunda, um prazo se esgota.
Segunda sim, segunda não, já se passou uma quinzena e alguém continua esperando
alguma coisa que não chega nunca.
Toda segunda, existe um trabalho chatíssimo pra fazer, a não ser que, sorte a
sua, seja feriado.
Toda segunda é ensolarada, mesmo as mais chuvosas, só pra arruinar o humor da
humanidade.
Toda segunda é igual à outra, menos se o seu time ganhou, se o despertador não
tocou, se o seu filho nasceu ou se um terremoto destruiu a cidade.
Toda segunda, não sei quantas crianças, umas de parto normal, umas de
cesariana, e todas elas, benza Deus, segunda que vem vão completar uma semana.
Toda segunda, faz um ano exato que um fato qualquer aconteceu e para alguma
pessoa, por algum motivo, isso tem uma enorme importância.
Toda segunda é meio lembrança, meio começo, meio cansaço, meio maçante, meio
preguiça, meio esperança.
Toda segunda tem alguma coisa ruim, alguma coisa boa e uma péssima fama.
Texto: Adriana Falcão; Fonte: Revista Veja Rio
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